Um estudo recente, conduzido por universidades chinesas e britânicas, aponta que cerca de 40% da produção global de alimentos é perdida anualmente devido a pragas e doenças, um fator que coloca em risco a segurança alimentar mundial. Esse cenário alarmante é intensificado pelas mudanças climáticas, que alteram o comportamento e a distribuição de insetos na agricultura, inclusive no Brasil.
Para a docente Jéssica Silva, do curso de Engenharia Agronômica do Centro Universitário Facens, a relação entre o clima e a vida dos insetos é extremamente sensível.
Cada espécie de inseto possui condições ótimas para seu ciclo de vida e reprodução. Mesmo variações pequenas de temperatura, como meio grau, são suficientes para estender o tempo de permanência de um grupo de insetos em determinado local. Essa extensão pode fazer com que o pico de presença da praga coincida com fases cruciais de desenvolvimento da cultura no campo, tornando os insetos um problema efetivo em períodos onde antes não estavam presentes.“
Além de afetar o ciclo de vida em regiões já ocupadas, o aumento da temperatura e a redução de chuvas permitem que esses insetos migrem para novas áreas. Jéssica afirma que “agora, esses insetos conseguem migrar para áreas mais altas e frias e conseguem se proliferar, em virtude das mudanças climáticas. Essa migração significa que pragas já conhecidas na agricultura brasileira estão expandindo sua região de incidência e os impactos dessa expansão são diretos para os produtores”.
Outro desafio é o controle. “Todos os métodos que vão ser empregados no controle entram no custo de produção daquela safra, daquele ano de produção. Logo, o lucro desse produtor vai ser menor”, pontua Jéssica. Os danos também estão ligados à qualidade dos produtos, já que algumas espécies de insetos afetam o tamanho, peso e aparência, levando à desvalorização no mercado ou, em casos mais severos, tornando-o não comercializável. “Como a Tuta absoluta, uma praga do tomate que pode causar perdas de produtividade de até 90%, chegando a inviabilizar a produção”, exemplifica.
Adaptação e apoio
Diante desse cenário, a adaptação e a informação são essenciais para os produtores. Jéssica Silva recomenda que fiquem atentos ao mapeamento e zoneamento climático de suas regiões e busquem informações em centros técnicos, universidades e cooperativas sobre a migração de novas pragas e métodos de controle.
A criação de um ambiente na propriedade que favoreça inimigos naturais das pragas, através de um microclima propício à sua proliferação, é outra estratégia importante. Práticas que garantam uma produção responsável e consciente, como atender aos requisitos básicos de cadastro rural, área de preservação e conservação do solo e demais recursos, também são fundamentais”, afirma a docente.
Estar atento ao código florestal, conservar a vegetação nativa, recuperar áreas degradadas e, se possível, integrar sistemas agroflorestais, podem transformar o microclima da propriedade, tornando-o mais favorável às plantas e desfavorável aos insetos que podem causar danos.
Desafios além da porteira
A especialista ressalta a necessidade de governança, com medidas públicas eficientes e fiscalização para garantir a implementação de medidas que contribuam para uma desaceleração das mudanças climáticas. “Na academia e na pesquisa, o desafio é encontrar materiais genéticos de plantas cultivadas mais adaptados às novas condições climáticas e que possuam tolerância e/ou resistência às pragas. O controle precisa evoluir, pois os defensivos convencionais por si só não serão suficientes para lidar com o efeito das mudanças climáticas. É crucial adotar práticas integradas de controle e manter a expansão do desenvolvimento de produtos biológicos, por exemplo”, explica.
A docente também chama a atenção para o impacto social e humano dessas mudanças. “A agricultura familiar, famílias rurais e populações vulneráveis são particularmente mais afetadas. Essa migração ou esse aumento populacional desses insetos-praga acaba promovendo uma destruição que vai impactar diretamente na segurança alimentar”.
A situação climática atual exige uma abordagem multifacetada na agricultura: informação, pesquisa contínua, políticas públicas eficazes e a adoção crescente de práticas agrícolas integradas, sustentáveis e resilientes para enfrentar o aumento das pragas e garantir a produção e a segurança alimentar.
Deixe um Comentário